sexta-feira, 26 de junho de 2020

Como está a vida cultural em Bacabal?



“Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir das artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios”. Eis o artigo 27 da “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, que foi incorporado tanto na Constituição Federal de 1988 quanto na Lei Orgânica do Município de Bacabal, de 1990. Mas, considerando a realidade de nossa cidade, a população vem participando da vida cultural e tem fruído das artes ou participado do progresso científico e de seus benefícios?
Vida cultural, artes, progresso? Primeiramente, cabe perguntar: Há políticas públicas de cultura em Bacabal, ou o Sistema Municipal de Cultura vem servindo de meio de favorecimento pessoal de poucos, no caso, amigos próximos do Rei? Outras questões são necessárias: Como está a situação do Fundo Municipal de Cultura e a atuação da Secretaria Municipal de Cultura (SEMUC)? Tem havido parcerias público/privada? Está ocorrendo a capacitação, gestão e incentivo cultural? E um programa de expansão cultural com alternativas de atividades em cada área? O Conselho Municipal de Cultura tem atuado de forma crítica, propositiva e independente, ou está refém do poder municipal e de suas intermináveis chantagens e barganhas, trocando apoio por favores?
Lamentavelmente, as respostas não são nada animadoras. Um breve diagnóstico aponta para o abandono e precariedade do setor cultural. A atuação do poder público, por meio da SEMUC, tem sido muito discreta e ineficaz em estimular as diversas manifestações e garantir a efetivação de nosso direito à cultura. Os artistas locais não vêm sendo, devidamente, incentivados, muito menos apoiados. Não têm encontrando espaço e qualquer tipo de fomento, seguindo abandonados à própria sorte, como se fizessem arte para eles próprios e não para as e os bacabalenses. Fala por si só a indisponibilidade de espaços culturais efetivos na cidade, para além de um nome fantasioso, que não corresponde à realidade: “centro cultural”. Mais triste ainda é saber que já houve planos para construir uma concha acústica ali, mas o espaço foi transformado em restaurante privado, de forma irregular.
A causa mais abrangente, que explica esse descaso e abandono, é a gestão privada ilegal e imoral dos recursos públicos da cidade, inclusive o favorecimento pessoal de apoiadores políticos, tudo ao arrepio dos princípios e diretrizes constitucionais de gestão pública. Nada de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (LIMPE). Eis o coração de nossa luta. Ou seja, a cultura também expressa as práticas políticas mais amplas das gestões, que já definimos em outros momentos e sintetizamos com os conceitos de patrimonialismo e clientelismo. Essa denúncia também consta em documento de balanço de gestões anteriores, que execram a “cultura da desinformação e do favor político” como “marcas indesejáveis nos movimentos culturais”, perdurando também na área os “vícios da política partidária”
Mais especificamente, some-se a esse problema mais geral de gestão o descaso com a cultura em especial. Isso é notório tanto na análise de pessoas atuantes na área quanto em dados publicados pelo IBGE, em 2018, levantados por meio de sua Pesquisa de Informações Básicas Municipais. Não há arquivo público ou centro de documentação, legislação municipal de proteção ao patrimônio cultural e nem o município apoia, mantém ou transfere recursos para bens tombados. Igualmente, não há prêmios ou concursos, nem subsídio a peças teatrais ou publicações culturais, tampouco canais radiofônicos e televisivos municipais/comunitários. A cidade não tem museus nem salas de espetáculos, ou sequer banca de jornal. Não existem cinemas nem teatros nem galerias de arte, circo ou concha acústica, com as gestões nem criando nem adaptando espaços existentes para tais fins. Depoimentos ouvidos confirmam a negação sistemática do direito à cultura, apesar de valiosos mas isolados esforços de indivíduos para sua efetivação.
Conforme a pesquisa do IBGE, até 2018, não havia nem um Plano Municipal de Cultura registrado e nem sido realizada qualquer conferência municipal temática nos últimos quatro anos. Em contrapartida, após muita pesquisa, levantamos que há um plano, feito em 2014 e com vigência até 2024 (projeto de lei 1.255, do Poder Executivo), mas que não consta em espaço algum, o que evidencia a total falta de transparência e controle social. Está engavetado, não serve de diretriz e, de tão ignorando, nem é reconhecido na pesquisa do IBGE, com as gestões não cumprindo com seu dever de estabelecer e executar uma política cultural para a cidade. Mas, tal documento evidencia que no passado houve muita agitação em torno do tema, com vários encontros, fóruns e demandas, que foram canalizadas para a construção de documento, que precisa ser difundido e ter seus princípios e diretrizes seguidos pelas gestões.
 Assim, oficialmente, Bacabal é uma cidade sem cultura, sem passado, sem memória, portanto, sem identidade e sem presente. Ao menos, há um Conselho Municipal de Cultura (CMC), criado em 2011 pela lei 1.173, mas que vem se notabilizando, como os demais espaços dessa natureza, por brigas homéricas, decorrentes das constantes tentativas de ingerência do poder municipal e por inoperância. Os tentáculos do poder do Kraken a tudo envolvem, e embora tenha sido constituída uma nova composição, são conselheiros mesmos que denunciam a inoperância do CMC, e que foi composto como chapa branca, para servir aos interesses da gestão e não representar a sociedade civil. Note-se, ainda falando do CMC, junto à precariedade e não garantia de condições mínimas de funcionamento, problemas de representatividade, como evidenciado pelas manipulações, mas também pela exclusão de representação estudantil, universitária e sindical, comprometendo, inclusive, a diversidade cultural ao não contemplar identificações específicas, caras em nosso município, como quilombolas e ribeirinhos.
 Quanto ao Fundo Municipal de Cultura, cuja criação permitiu receber verbas diretamente de Brasília, ele não reúne a totalidade dos recursos orçamentários destinados a programas culturais (o que facilita desvios e esvaziamento) e seu conselho gestor não é o CMC. Ou seja, o Rei quer a tudo e a todos controlar para favorecer os seus. O abandono é tamanho que, o último relatório de gestão da Secretaria Municipal de Cultura é referente aos anos de 2013 a 2015. De lá para cá, nem uma prestação de contas à população. Documentos dessa natureza, embora elementares, são centrais para garantir transparência e controle social das atividades, sendo também mecanismos de avaliação do cumprimento de metas contidas em planos, das ações e aplicação dos recursos públicos destinados às políticas culturais. Essa falta de transparência diz tanta coisa quanto o fato da estrutura organizacional da SEMUC se fundamentar em conjunto de decretos e não em um único instrumento normativo.
É simbólica a resposta dada por uma das especialistas, que é conselheira do CMC, a nosso pedido para que fizesse uma avaliação, um diagnóstico da situação da cultura em Bacabal: “Eu sinto muito em não poder ajudar [...] nós não temos uma política atual de cultura em nosso município. E o Conselho não tem atuação nenhuma, foi empossado e só, nunca mais teve reunião. Só de posse mesmo. Então, não tem como fazer meu diagnóstico de políticas de ação cultural, porque não existe. E, o Conselho, nenhuma atuação até o momento”. Resposta semelhante ouvimos de outra pessoa atuante no setor, que definiu assim a nova composição do CMC: “Eles fizeram uma votação de cartas marcadas, e inclusive a sociedade civil não foi representada por civis fora do governo, todos do governo e subservientes. Ali seria um cenário para indicação da sociedade civil, mas foi o governo que planejou, que definiu como seria e levou os seus, não foi a sociedade civil que se mobilizou”. Sobre a atuação da atual gestão da SEMUC, a resposta foi sintética: “Nenhuma”. Do mesmo modo o foi para o questionamento se ela serve apenas de “cabidão de cargos”: “Sim”.
Basta de descaso com a cultura. Queremos oportunidades culturais abrangentes e a efetivação desse direito imprescindível para o exercício da cidadania e democracia. Basta do abandono da juventude, assim como dos demais segmentos da população, que quando muito têm acesso a um show caríssimo por ano, no aniversário da cidade, com um artista do momento importado, ao custo de um cachê injustificável, indecoroso e que insulta quem produz cultura em Bacabal todos os outros 364 dias, sem apoio algum. Espaços culturais teríamos, acaso houvesse subsídio para uma programação que desse conta de ocupa-los, enriquecendo espiritualmente a população, diversificando suas referências e, assim, fortalecendo a cultura democrática, da tolerância e da paz, bem como propósitos de vida, sobretudo, entre a juventude.
A se considerar a Lei Orgânica do Município de Bacabal, ela está em consonância com a Constituição Federal, incorporando suas diretrizes, como ao assegurar, no artigo 172, que o município “assegurará acesso às fontes de cultura, apoiando e incentivando todas as manifestações de natureza cultural” e preservará o patrimônio material e imaterial. Contudo, a lei é letra morta a se julgar pelas práticas de negação sistemática de direitos, inclusive, culturais.
Vamos nos organizar e lutar pela efetivação de mais esse direito negado e é já!

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