“Todo ser humano tem o direito
de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir das artes e
de participar do progresso científico e de seus benefícios”. Eis o artigo 27 da
“Declaração Universal dos Direitos Humanos”, que foi incorporado tanto na
Constituição Federal de 1988 quanto na Lei Orgânica do Município de Bacabal, de
1990. Mas, considerando a realidade de
nossa cidade, a população vem participando da vida cultural e tem fruído das
artes ou participado do progresso científico e de seus benefícios?
Vida
cultural, artes, progresso? Primeiramente, cabe perguntar: Há políticas
públicas de cultura em Bacabal, ou o Sistema Municipal de Cultura vem servindo
de meio de favorecimento pessoal de poucos, no caso, amigos próximos do Rei? Outras
questões são necessárias: Como está a situação do Fundo Municipal de Cultura e
a atuação da Secretaria Municipal de Cultura (SEMUC)? Tem havido parcerias
público/privada? Está ocorrendo a capacitação, gestão e incentivo cultural? E
um programa de expansão cultural com alternativas de atividades em cada área? O
Conselho Municipal de Cultura tem atuado de forma crítica, propositiva e
independente, ou está refém do poder municipal e de suas intermináveis
chantagens e barganhas, trocando apoio por favores?
Lamentavelmente,
as respostas não são nada animadoras. Um breve diagnóstico aponta para o
abandono e precariedade do setor cultural. A atuação do poder público, por meio
da SEMUC, tem sido muito discreta e ineficaz em estimular as diversas
manifestações e garantir a efetivação de nosso direito à cultura. Os artistas
locais não vêm sendo, devidamente, incentivados, muito menos apoiados. Não têm
encontrando espaço e qualquer tipo de fomento, seguindo abandonados à própria
sorte, como se fizessem arte para eles próprios e não para as e os
bacabalenses. Fala por si só a indisponibilidade de espaços culturais efetivos
na cidade, para além de um nome fantasioso, que não corresponde à realidade:
“centro cultural”. Mais triste ainda é saber que já houve planos para construir
uma concha acústica ali, mas o espaço foi transformado em restaurante privado,
de forma irregular.
A causa
mais abrangente, que explica esse descaso e abandono, é a gestão privada ilegal
e imoral dos recursos públicos da cidade, inclusive o favorecimento pessoal de
apoiadores políticos, tudo ao arrepio dos princípios e diretrizes
constitucionais de gestão pública. Nada de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência (LIMPE). Eis o coração de nossa luta. Ou seja, a cultura
também expressa as práticas políticas mais amplas das gestões, que já definimos
em outros momentos e sintetizamos com os conceitos de patrimonialismo e clientelismo. Essa denúncia também consta em
documento de balanço de gestões anteriores, que execram a “cultura da desinformação e do
favor político” como “marcas indesejáveis nos movimentos culturais”, perdurando
também na área os “vícios da política partidária”
Mais
especificamente, some-se a esse problema mais geral de gestão o descaso com a
cultura em especial. Isso é notório tanto na análise de pessoas atuantes na
área quanto em dados publicados pelo IBGE, em 2018, levantados por meio de sua Pesquisa
de Informações Básicas Municipais. Não há arquivo público ou centro de
documentação, legislação municipal de proteção ao patrimônio cultural e nem o
município apoia, mantém ou transfere recursos para bens tombados. Igualmente, não
há prêmios ou concursos, nem subsídio a peças teatrais ou publicações
culturais, tampouco canais radiofônicos e televisivos municipais/comunitários.
A cidade não tem museus nem salas de espetáculos, ou sequer banca de jornal.
Não existem cinemas nem teatros nem galerias de arte, circo ou concha acústica,
com as gestões nem criando nem adaptando espaços existentes para tais fins. Depoimentos
ouvidos confirmam a negação sistemática do direito à cultura, apesar de valiosos
mas isolados esforços de indivíduos para sua efetivação.
Conforme
a pesquisa do IBGE, até 2018, não havia nem um Plano Municipal de Cultura
registrado e nem sido realizada qualquer conferência municipal temática nos
últimos quatro anos. Em contrapartida, após muita pesquisa, levantamos que há um
plano, feito em 2014 e com vigência até 2024 (projeto de lei 1.255, do Poder
Executivo), mas que não consta em espaço algum, o que evidencia a total falta
de transparência e controle social. Está engavetado, não serve de diretriz e,
de tão ignorando, nem é reconhecido na pesquisa do IBGE, com as gestões não
cumprindo com seu dever de estabelecer e executar uma política cultural para a cidade.
Mas, tal documento evidencia que no passado houve muita agitação em torno do
tema, com vários encontros, fóruns e demandas, que foram canalizadas para a construção
de documento, que precisa ser difundido e ter seus princípios e diretrizes
seguidos pelas gestões.
Assim, oficialmente, Bacabal é uma cidade sem cultura,
sem passado, sem memória, portanto, sem identidade e sem presente. Ao menos, há
um Conselho Municipal de Cultura (CMC), criado em 2011 pela lei 1.173, mas que
vem se notabilizando, como os demais espaços dessa natureza, por brigas
homéricas, decorrentes das constantes tentativas de ingerência do poder
municipal e por inoperância. Os tentáculos do poder do Kraken a
tudo envolvem, e embora tenha sido constituída uma nova composição, são
conselheiros mesmos que denunciam a inoperância do CMC, e que foi composto como
chapa branca, para servir aos interesses da gestão e não representar a
sociedade civil. Note-se, ainda falando do CMC, junto à precariedade e não
garantia de condições mínimas de funcionamento, problemas de
representatividade, como evidenciado pelas manipulações, mas também pela
exclusão de representação estudantil, universitária e sindical, comprometendo,
inclusive, a diversidade cultural ao não contemplar identificações específicas,
caras em nosso município, como quilombolas e ribeirinhos.
Quanto ao Fundo Municipal de Cultura, cuja
criação permitiu receber verbas diretamente de Brasília, ele não reúne a
totalidade dos recursos orçamentários destinados a programas culturais (o que facilita
desvios e esvaziamento) e seu conselho gestor não é o CMC. Ou seja, o Rei quer
a tudo e a todos controlar para favorecer os seus. O abandono é tamanho que, o
último relatório de gestão da Secretaria Municipal de Cultura é referente aos
anos de 2013 a 2015. De lá para cá, nem uma prestação de contas à população. Documentos
dessa natureza, embora elementares, são centrais para garantir transparência e
controle social das
atividades, sendo também mecanismos de avaliação do cumprimento de metas
contidas em planos, das ações e aplicação dos recursos públicos destinados às
políticas culturais. Essa falta
de transparência diz tanta coisa quanto o fato da estrutura organizacional da
SEMUC se fundamentar em conjunto de decretos e não em um único instrumento
normativo.
É simbólica a resposta dada por
uma das especialistas, que é conselheira do CMC, a nosso pedido para que
fizesse uma avaliação, um diagnóstico da situação da cultura em Bacabal: “Eu
sinto muito em não poder ajudar [...] nós não temos uma política atual de
cultura em nosso município. E o Conselho não tem atuação nenhuma, foi empossado
e só, nunca mais teve reunião. Só de posse mesmo. Então, não tem como fazer meu
diagnóstico de políticas de ação cultural, porque não existe. E, o Conselho,
nenhuma atuação até o momento”. Resposta semelhante ouvimos de outra pessoa atuante
no setor, que definiu assim a nova composição do CMC: “Eles fizeram uma votação
de cartas marcadas, e inclusive a sociedade civil não foi representada por
civis fora do governo, todos do governo e subservientes. Ali seria um cenário
para indicação da sociedade civil, mas foi o governo que planejou, que definiu
como seria e levou os seus, não foi a sociedade civil que se mobilizou”. Sobre
a atuação da atual gestão da SEMUC, a resposta foi sintética: “Nenhuma”. Do
mesmo modo o foi para o questionamento se ela serve apenas de “cabidão de
cargos”: “Sim”.
Basta de descaso com a cultura.
Queremos oportunidades culturais abrangentes e a efetivação desse direito
imprescindível para o exercício da cidadania e democracia. Basta do abandono da juventude, assim como dos demais
segmentos da população, que quando muito têm acesso a um show caríssimo por
ano, no aniversário da cidade, com um artista do momento importado, ao custo de
um cachê injustificável, indecoroso e que insulta quem produz cultura em
Bacabal todos os outros 364 dias, sem apoio algum. Espaços culturais teríamos,
acaso houvesse subsídio para uma programação que desse conta de ocupa-los,
enriquecendo espiritualmente a população, diversificando suas referências e,
assim, fortalecendo a cultura democrática, da tolerância e da paz, bem como
propósitos de vida, sobretudo, entre a juventude.
A se
considerar a Lei Orgânica do Município de Bacabal, ela está em consonância com
a Constituição Federal, incorporando suas diretrizes, como ao assegurar, no
artigo 172, que o município “assegurará acesso às fontes de cultura, apoiando e
incentivando todas as manifestações de natureza cultural” e preservará o
patrimônio material e imaterial. Contudo, a lei é letra morta a se julgar pelas
práticas de negação sistemática de direitos, inclusive, culturais.
Vamos nos organizar e lutar pela efetivação de mais esse direito negado e é já!
Vamos nos organizar e lutar pela efetivação de mais esse direito negado e é já!